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Macondo, Garcia Marques, Brazil
Não sei quem sou. Se soubesse, não estaria escrevendo. E você também não sabe quem é. Se soubesse, não estaria lendo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

SEXTA-FEIRA 13

Sexta-feira 13 de agosto. Acordei por volta de 1 hora da madrugada para ver a tal chuva de meteoros. O céu estava nublado, e além de eu não ver coisa alguma, um pombo me atingiu em cheio na cabeça. Pombos noturnos. Vá lá saber por que ele não estava dormindo naquela hora. Vá lá saber por que eu não estava dormindo naquela hora... Pensando bem, pode ter sido um morcego. Não, é melhor não pensar bem...
Volto pra cama, não sem antes tomar um banho frio. A resistência queimou justamente comigo, justamente naquele dia, justamente naquela hora. Demoro a pegar no sono pois a Dona Maria ronca feito uma porca, além de expelir outros sons mal cheirosos que impregnam o quarto. Vergonhosamente cito que ela usava grandes rolinhos no cabelo. Ao menos, tirou do rosto a horrível máscara de abacate que colocou depois da novela das oito que começa às nove.
Volto a acordar às sete e seis da manhã que, para os que são místicos, equivale a 6 horas e 66 minutos, o número da besta. Eu sou mesmo uma besta!! Fui acordado pelo meu próprio relógio de pulso que, no dia anterior, havia atrasado e eu tentara ajustar sem ler o manual. No mínimo, mexi no que no que não devia. Não consigo pegar no sono. Dona Maria não deixa. Quando os bebês dormem são como anjos, quando é a Dona Maria parece o próprio capeta. Levanto-me a contra gosto. Como dizem por aí, quem sai da cama é pra se molhar, e decidi sair pra comprar pão.
Abro o portão e, na minha frente, adivinhem? Um gato preto. Mas não era um gato preto qualquer, era um senhor gato preto, enorme, quase um puma de tão grande e obeso. Tomara que tenha comido o pombo noturno. Ou teria sido um morcego? Ao invés de cruzar meu caminho, de se espantar com minha figura apoplética, ele fica ali, me encarando, como se dissesse: devora-me ou te decifro. Não que eu seja supersticioso, mas é que, com a noite que eu tive, não se pode brincar, então, ao invés de ir na direção do gato, dou dois ou três passos para a direita, quando ele se levanta e faz o mesmo. De pé, pelos eriçados, parecia ainda maior, e eu, com pouco esforço, poderia passar por baixo dele. A situação me faz rir por dentro: passar em baixo de um gato preto, ver uma escada de 4 degraus atravessando meu caminho, temperar churrasco com açúcar refinado, dependurar uma ferradura na frente da janela, usar um pé de coelho em formato de trevo, deixar um rodo embaixo do sofá. Se fizéssemos as coisas desse jeito a sexta-feira 13 poderia se tornar um dia de sorte ou apenas adiaríamos a desgraça para os dias seguintes, talvez, o sábado 14? Ou uma segunda 16. Segundas-feiras são uma desgraça.
De súbito, o gato parece mudar de ideia e, feito o leão da montanha dos meus desenhos infantis, sai rápido pela direita. Satisfeito, inicio meu caminho planejado, fixo, dos meus últimos cinco anos. Idiota que sou, deveria ter prestado atenção no súbito movimento do bichano e entenderia seu porquê. Ao longe, mas não tão longe, um cão, muito maior que o gato, muito maior que um cão comum, vinha correndo em nossa – minha, pois o felino já se escafedera por algum portão vizinho – direção, e parecia sedento, sabe-se lá de água, sabe-se lá de sangue. Como eu não desejava saber exatamente qual era esta sede, principalmente por não trazer comigo um copo d’água, dou meia volta, quase tão rápido quanto o leão da montanha, entro em minha casa e fecho o portão de grade. A sede era de sangue, pois o cão ficou ali, ladrando, furioso, espumando pela boca e não iria desistir de seu desjejum matinal assim tão cedo. O pão vai ter que ficar para mais tarde. Contentemo-nos com alguns biscoitos murchos, bolachas endurecidas, roscas bolorentas.
Mas, antes de entrar em casa, no caminho entre o portão e a porta da sala, sou atingido novamente por um obus columbiforme, ou seja, outra cagada de pombo. Ou seria um morcego madrugador? Vou para o banho gelado, volto para a cama, os sons, o mal cheiro, os rolinhos no cabelo, o cão ladrando do lado de fora, o arrulho do pombo no telhado feito o corpo de Poe repetingo “never more”. Só folta o meteoro que não eu não vi cair sobre minha cama e abrir uma cratera por onde eu me enfiaria e jamais retornaria à superfície. Para um dia que prometia, não era ideia de tão má.
A sexta-feira 13 mal começou e eu aguardo pelo sábado 14. Ainda bem que não passei embaixo de um gato preto.

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