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Macondo, Garcia Marques, Brazil
Não sei quem sou. Se soubesse, não estaria escrevendo. E você também não sabe quem é. Se soubesse, não estaria lendo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

MEU ENCONTRO COM O CANHOTO

Um dia o Capeta me ligou. Bem, logicamente, deixemos claro que eu não tenho o Tinhoso em minha lista de contatos, mas quando o celular tocou e o número que apareceu era 6666-6666 eu já fiquei desconfiado. Uma voz fina do outro lado chamou por meu nome em mil idiomas – já deu pra notar, então, que a ligação foi longa. Ao final de toda a demonstração de seu conhecimento linguistico – por que o Chifrudo insiste em se mostrar tão poderoso? – o Bizonho perguntou:
- Quer fazer um pacto comigo?
Mas eu não respondi de imediato, não sou trouxa. Não é qualquer Maldito que vai me convencer a vender a alma de grátis, se é que essa construção gramatical faz sentido. Eu disse que, para que eu acreditasse que ele era mesmo o Belzebu, ele deveria me dar uma prova.
- Que tipo de prova? – ele me perguntou em outros mil idiomas. Ainda bem que o Cramulhão não me ligou a cobrar.
- Dipigapa upumapa copoipisapa sopobrepe mipim quepe sópó epeu sapabeperipiapa? – perguntei na Língua do Pê, uma espécie de dialeto local aqui de Minas Gerais. Assim, eu testava os conhecimentos do Cão pra saber se ele não estava me engalobando com todas aquelas consoantes acentuadas. E não é que ele entendeu?
- Você tinha medo do boneco do Fofão quando era menino – respondeu o Beiçudo, você já sabe em quantos idiomas. Minha espinha gelou. Mas eu ainda não estava convencido, e repliquei:
- Mas e se você for Deus? Deus também saberia tudo sobre mim… – o Mofento respondeu de bate-pronto:
- Deus é brasileiro. Se eu fosse Deus só estaria conversando contigo em português… Aliás, considerando que até hoje vocês estão pagando pelos pecados de Adão e Eva, ele teria ligado a cobrar.
Só nesta meia dúzia de frases já haviam se passado trinta minutos. A operadora do Rabudo devia ganhar uma nota preta com essas “negociações” por telefone. Pelo menos o Capiroto não falava apenas no gerúndio… Tá bom. Eu havia me convencido. Eu estava mesmo falando com o Não-Sei-Que-Diga. Como não tinha nada pra ver na TV e o Horário Eleitoral ainda demoraria uns quarenta minutos, eu topei o pacto.
- Mas tem que ser numa encruzilhada – acrescentou o Gato-Preto. Ele pediu um tempinho para pesquisar no Google-Maps a encruzilhada mais próxima. Não demorou muito e ele me deu o endereço. Entrei no carro e fui, feliz da vida, pensando em que eu iria pedir. Levava o celular comigo no caso de acontecer algum desencontro.
Cheguei ao local e esperei uns seis minutos – não sei por que o Tição tem obsessão por este número – e um rapaz de cabelos ondulados, usando calça colorida verde do tipo Mamãe-Tô-Na-Área e uma camisa branca com gola em V apareceu vindo na minha direção. Minha espinha arrepiou, mas aquele que eu pensava ser o Mofento passou direto. Era apenas mais um clone do Fuckyou – é assim que se escreve o nome do filho do Fabio Jr.? O Porco-Sujo vinha logo atrás, andando num gingado estranho, arrastando o rabo pelo chão e dividindo minha vida com um risco no asfalto em antes e depois.
- Dammmy Urgo? – ele perguntou, em mil idiomas. Ou seja, mil vezes do mesmo jeito, pois nome próprio não se traduz. Que Debo metido.
- O próprio – eu respondi, sem conseguir tirar os olhos de seu cabelo estilo Justin Bieber. Na verdade, eu já estava em dúvida: talvez o Fuckyou que já tinha virado a esquina é que era o verdadeiro Tranca-Rua.
- Já pensou no que quer? – o Excomungado perguntou em não sei mais quantos idiomas, e eu percebi que aquela conversa poderia durar toda minha eternidade se eu não tomasse uma providência. Falei:
- Olha, dá pra falar só em português mesmo? Eu já perdi o Horário Eleitoral, daqui a pouco, perco até a Ana Maria Praga.
- Tá bom. Já pensou no que quer?
- Não exatamente.
- Como assim?
- É que se eu vou perder minha alma pra você, tem que ser uma coisa que realmente valha a pena.
- Com certeza.
- E eu sou uma pessoa muito preocupada com a humanidade, ecologia, e essas coisas todas.
- Tá.
- Então, eu queria perguntar: posso vender minha alma por uma boa ação mundial?
- Pode. A alma é sua o problema é seu.
- Então, eu queria umas sugestões.
- Como assim?
- Olha, se você sabe falar esses idiomas todos, é sinal de que conhece o mundo todo. Você deve saber do que o mundo precisa, os anseios da humanidade, suas aspirações, seus desejos mais discretos. Que tal eu pedir para acabar com as guerras atuais? O que você acha?
- Veja bem… A idéia até que é boa… Mas se eu acabar com todas as guerras atuais, como a tecnologia vai se desenvolver, ainda que seja guerra-santa, quente, morna ou fria, como diria o Renato Russo? Além disso, se eu acabar com as guerras atuais agora, daqui a cinco minutos uma outra guerra começa num outro ponto do mundo, seja por que roubaram um pedaço de terra, um sabonete ou um balde cheio de água. Parodiando Nelson Rodrigues, toda humanidade é burra – o Diacho tinha um conhecimento enciclopédico bastante interessante...
- É. Pensando bem, você tem razão… E se eu pedir a felicidade para todos?
- O que é dar felicidade para todos? Dar dinheiro infinito pra todo mundo? Aumentar os seios das mulheres sem cirurgia? Você vai causar mais problema que solução. A felicidade é relativa. Se você ganhar na Mega-Sena hoje talvez não seja tão feliz quanto o cara que tá pegando a Ana Paula Arósio. Tem gente feliz até na Venezuela. Veja o Horário Eleitoral o quanto de gente está sorrindo. O Fuckyou que passou por aqui agora, pouco antes de mim. Ele se acha o próprio irmão da Cléo Pires, cara, da Cléo!! Não tem onde cair morto, a camisa dele é comprada no Feira Shopping e o cara está felicíssimo da vida achando que está abafando!! – para um Rabo-de-Seta, o cara era até inteligente – Você vai ter que pensar em uma coisa melhor. O pesso gosta muito de fazer pacto comigo pra tocar bem um instrumento: violãi, viola, saxofone? Por que você não pede para ser um exímio tocador de oboé na Orquestra Filarmônica de São Paulo?
- É… mas eu não quero o bem só para mim. Eu quero o bem para todos: meus pais, irmãos, vizinhos, primos, amigos do meu primo, o padeiro, o leiteiro, o contrabandista, o maconheiro, o cara do outro lado do mundo que eu não conheço. Até mesmo para os argentinos – o Tentador já estava ficando emocionado. Ou impaciente. Não sei direito… – Quero ser lembrado como o homem que mudou a história do mundo, que perpetuou a bondade que…
- Anda logo.
- Tá… Deixa eu pensar – e eu pensava, pensava, pensava, sem chegar a lugar algum. Na verdade, já estava pensando que esse negócio de vender a alma não era assim uma coisa tão boa. Envolvia muita responsabilidade. Enquanto isso, o Mofino estava já escorado num muro, com o rabo na mão, balançando pra lá e pra cá completamente entediado, impaciente. De repente, um carro surgiu, devagar. O som alto tocava uma música cujos “versos” diziam assim:
Te dei o sol, te dei o mar
Pra ganhar seu coração
Você é raio de saudade
Meteoro da paixão
Explosão de sentimentos
Que eu não pude acreditar
Ah! Como é bom poder te amar

O Temba fez uma cara de nojo, revirou os olhos e quase vomitou as últimas almas que havia engolido. Sem que ele percebesse, havia, naquele exato momento, solucionado meu problema.
- Já sei, Indivíduo.
- Graças a Deus você se decidiu. Fala, moleque!
- Eu posso trocar minha alma?
- Como assim? – esse “como assim” me irrita tanto…
- Quero trocar minha alma. Ouviu essa música que estava tocando? É de um cara chamado Luan Santana. Sucesso absoluto. Se Deus é brasileiro, deve ser surdo, ou, então, tá com algum problema em casa. Eu quero trocar minha alma com a do Luan Santana. Minha alma vai pra ele, a alma dele vem pra mim.
- E então, você faz sucesso no lugar dele! Garoto esperto!
- Deixa de ser Besta! Se eu trocar minha alma com a dele, quando eu morrer a alma dele é que vai queimar no Inferno, não a minha. Ao mesmo tempo, a humanidade vai agradecer por eu tirar de circulação essa desgraça pelada.
- Cara, tu não é burro não…
- Fiz até o primeiro período de Arquivologia… Então, pode ser?
- Pode, você é quem manda.
Fez uns movimentos estranhos com as mãos, disse umas palavras esquisitas em um milhão de idiomas, de trás pra frente, de frente pra trás. Ventou bastante naquele momento, os ventos vindo de todos os lados. De repente, eu senti um fogo frio descendo e um gelo quente subindo dentro de mim que depois se espalhou por todo o meu corpo. No minuto seguinte, eu estava vesgo, não conseguia enxergar nada direito. Ser mártir é foda!
- Pronto. Está feito. Agora, eu preciso ir para fazer mais uns pactos por aí…capeta
- Não preciso assinar nada?
- Não. Eu gravei tudo com meu celular. Depois te mando o vídeo por email – respondeu-me o Pedro-Botelho me dando as costas e sacudindo o rabo no ar.
- Espera aí!! – eu pedi, e ele se virou. Perguntou o que eu queria, com certo fogo nos olhos, e eu respondi: – Quando eu era menino, eu vi um filme no cinema de uma garotinha que virava a cabeça toda e não quebrava o pescoço. Achei bacana pra cacete! Dá pra fazer isso para eu ver? – O Diogo não só virou a cabeça todinha, 360 graus, como, em seguida, lambeu os próprios cotovelos, ambos, ao mesmo tempo. Depois, se desfez num redemoinho e eu nunca mais o vi…
Mas sei que o verei novamente, muito em breve, ou, melhor dizendo, o vesgo que habita em mim...
Esse nosso encontro deu-se na última sexta-feira treze, e sinto que é hora de causar o bem à humanidade e livrar-me de um tormento próprio. Desde meu encontro com o Asmodeu, sei todas as músicas do Luan Santana de cor e salteado, em todas as línguas, e fico torcendo para ele anunciar um show na minha cidade. Em suas apresentações na TV, fico hipnotizado, e até o estou seguindo no Twitter. Durmo e acordo com esse merda na cabeça!! Tentei pensar em outras músicas, tomar banho gelado, overdose de Tylenol. Coloquei até um CD do Wando no último volume, mas o máximo que consegui foi um vizinho reclamão que só gosta de axé por sofrer de limitação alfabética. Nada adiantou. É preciso, definitivamente, salvar a humanidade, dar-lhe o rumo que lhe foi tirado, recolocá-la nos trilhos, tapar o buraco da camada de Ozônio e acabar com o aquecimento global.
Acabo de chegar do supermercado. Trouxe um quilo de veneno do tipo chumbinho e estou devorando-o colherada por colherada, com comprimidos de Tylenol misturados pra não doer muito. Agora, a alma deste desgraçado vai queimar no inferno, ah! se não vai!!
BlogBlogs.Com.Br

4 comentários:

  1. Cara, não é que o capeta é divertido?!
    Gostei da sua narrativa. Quando achei seu blog no blogblogs eu estava meio apressado, porém quando comecei a ler o texto já não era possível parar nem para coçar-me! xD
    PS.: Existem algumas letras e sinais trocados nos últimos parágrafos!
    PS[2].: No aguardo dos próximos posts! abrc...

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  2. super divertido e interessante este post!
    Um texto até com um gostinho bem brasileiro!!
    Parabéns!
    ;D

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  3. Demais Jean, que mente fertil que vc tem, pode começar a escrever livros.
    Espero que tudo isso seja apenas ficçõa.
    E depois de tudo isto que Deus abençõe a vc e o Luan

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  4. O camarada é divertido e muito...
    Quem começa a ler não para.
    :)

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